1. As primeiras iniciativas.
De certa forma, foi a rainha Helena (255-330), mãe do imperador Constantino, que dirigiu a primeira expedição arqueológica ao ordenar escavações em Jerusalém na esperança de encontrar a cruz de Cristo. A célebre igreja do Santo Sepulcro, construída no local onde ela afirmou ter descobertoa cruz, é um monumento que relembra a sua perseverança. Este interesse pelos locais sagrados da Bíblia estendeu-se ao longo de toda a Idade Média. Como fez Helena, milhares de peregrinos da Europa visitaram os santuários construídos nos locais sagrados para aí meditarem e orarem.
Foi em parte este interesse que incitou os Cruzados a empreender expedições para arrancar a Terra Santa do domínio muçulmano a fim de a trazer para o mundo cristão. Durante os dois séculos da sua presença na Terra Santa, os Cruzados procuraram febrilmente localizar os locais sagrados. Logo que pensavam dispor de indicações suficientes, construíam monumentos nesses locais. Foi desta forma que o traçado da Via Dolorosa (o caminho das dores) foi defenido em Jerusalém, para permitir aos peregrinos percorrer, por sua vez, o caminho que Jesus tinha provavelmente percorrido quando carregou a cruz. Embrora a maior parte dos arqueólogos modernos especializados nas escavações em Jerusalém considerem que os Cruzados traçaram um trajecto que não corresponde à realidade, eles tinham, no entanto, boas razões para terem feito essa escolha. Na verdade, os arqueólogos acreditaram durante muito tempo que eles tinham razão. A investigação dos Cruzados para determinar o traçado exacto da Via Dolorosa pode ser considerada como sendo arqueologia bíblica, mesmo que nenhuma escavação tenha sido feita.
2. O começo.
Só depois da campanha de Napoleão no Egipto, em 1798, é que se realizou um estudo mais sistemático envolvendo escavações. Foi nesta altura que foi descoberta a famosa Pedra Roseta, a chave que permitiu decifrar os hieróglifos. As antiguidades que Napoleão trouxe para a Europa e expôs no Louvre suscitaram um enorme interesse pelas riquezas por descobrir no Próximo Oriente. Os grandes museus europeus enviaram representantes a fim de empreender escavações e trazer tesouros. As famílias ricas financiaram expedições na esperança de constituir uma colecção privada de objectos preciosos.
O inglês Lord Elgin, por exemplo, extraiu as metopes (ornamentos esculpidos entre os triglifos dos frisos dóricos) do Partenon sobre a Acrópole de Atenas, feitos em mármore pelos escultores gregos de maior renome, e encaminhou-os para Inglaterra. Hoje podem ser admirados no Bristish Museum. Este mesmo museu enviou A.H.Layard para as cidades assírias de Ninrode e Nínive a fim de procurar esculturas antigas.
Os arqueólogos modernos estão horrorizados pela violência com que estes objectos foram arrancados dos seus sítios. Em muitos casos, todos os elementos respeitantes a esses locais foram perdidos, de forma que não resta nada mais do que o valor artístico dos objectos. Além disso, o dinheiro dado à população local para obter informações que pudessem levar a descobrir alguma coisa provocou um problema ainda mais grave. Essas pessoas começaram a fazer as suas próprias escavações, fenómeno que subsiste ainda hoje. Assim, informações sobre o passado foram muitas vezes destruídas. Só contava a descoberta de objectos sensacionais. A arqueologia tornou-se, em grande parte, uma vulgar caça ao tesouro.
A pilhagem de antiguidades na Terra Santa atingiu o seu apogeu com a expedição de Parker na Palestina, no início do século XX. Encorajado por um conhecedor da Bíblia muito excêntrico, o rico aventureiro britânico Montagne Parker convenceu-se de que o livro de Ezequiel continha uma mensagem onde estariam enterradas as fabulosas riquezas do rei Salomão. Parker mandou cavar valas por toda a parte, no centro de Jerusalém. Inúmeros dados arqueológicos foram assim destruídos. Felizmente, um jovem especialista, Pere Vincent, que fazia parte da sua equipa, conseguiu salvar alguns materiais. Mas o tesouro de Salomão nunca foi encontrado!
3. A Contribuição da Literatura Clássica.
Petra, a cidade vermelha, contém um grande número de construções (especialmente túmulos) talhadas na rocha. |
A cultura europeia interessou-se profundamente pela literatura clássica grega e romana. Um certo Heinrich Schliemann, arqueólogo alemão, utilizou o texto da Ilíada para localizar e exumar a antiga cidade de Tróia, na Turquia. Era a primeira vez que um texto da antiguidade permitia identificar um lugar histórico. Mas havia mais. As escavações no local ajudaram, por sua vez, a compreender melhor os eventos descritos por Homero. Muito rapidamente, os especialistas da Bíblia começaram a perguntar-se se não conseguiriam compreender melhor o que nela é descrito se empreendessem escavações nos locais bíblicos.
A dificuldade residia no facto de muito poucas cidades bíblicas terem sido localizadas com exactidão. Jerusalém não era evidentemente uma problema, bem como Nazaré, Tiberíades ou Hebron. Estas cidades tinham permanecido habitadas sem interrupção desde os tempos bíblicos e tinham mantido o seu nome. No início do século XIX, pesquisadores, como o suíço Johann Burckhardt, que descobriu Petra, a célebre cidade vermelha no deserto da Arábia, começaram a anotar cuidadosamente os nomes e as particularidades das ruínas que descriam.
O ano de 1833 marcou uma mudança revolucionária quando o teólogo americano Edward Robinson, um especialista em línguas semíticas, compreendeu que, seguindo certas regras linguísticas, era possível comparar o nome dos locais árabes com os antigos nomes bíblicos. Ele percorreu o país de lés a lés, tentando localizar as cidades da Antiguidade.
Informou-s sobre o seu nome árabe e tentou determinar de que cidades bíblicas se poderia tratar. Pensa-se que a contribuição de Robinson em questão de geografia da Palestina ultrapassa todas as outras contribuições anteriores, desde os Pais da Igreja até ao século XIX. O seu trabalho teve como resultado a localização de centenas de locais bíblicos e o agrupamento correcto de numerosas peças do puzzle arqueológico…
4. As Escavações.
Túnel de Warren. Este túnel teria sido escavado por Joabe a fim de reconquistar o monte Moriá aos Gebuseus. |
A prática das escavações começou por volta de 1860, quando Charles Warren foi enviado a Jerusalém pelo “Palestine Exploration Fund” a fim de aí efectuar escavações. Outros se seguiram e, em breve, as descobertas sucederam-se, incluindo a da célebre estela de Mescha e a de uma inscrição, datada do tempo de Jesus, que proibia aos pagãos o acesso ao templo de Jerusalém. Mas surgiu outro problema. Muitas vezes, os arqueólogos da época estabeleciam ligações com os eventos bíblicos sem dispor de provas suficientes. Assim, Warren descobriu um certo número de pedras cuidadosamente talhadas perto do local onde supunha ser a localização do templo de Salomão. Baseou-se no facto de a Bíblia dar muita atenção aos feitos de Salomão e destas pedras serem visivelmente de uma qualidade extraordinária. Hoje sabemos que Warren se enganou em quase 900 anos, e que estas pedras pertenciam na realidade ao templo que Herodes, o Grande, tinha mandado construir pouco antes do nascimento de Jesus.
Célebre pedra moabita onde Mescha, rei de Moabe, relata as suas vitórias sobre os israelitas (2 Reis 3:4) |
Tínhamos manifestamente necessidade de um quadro cronológico. Para o período que sucedu a invasão de Alexandre, o Grande, podíamos servir-nos das moedas, mas era preciso outra coisa para os períodos anteriores. Em 1890, o arqueólogo britânico Flinders Petrie deu origem a uma nova revolução no meio da arqueologia bíblica. Aquando das escavações em Tell el Hésy, a sudoeste de Jerusalém, a sua atenção voltou-se para milhares de peças de cerâmica. Os arqueólogos anteriores tinham posto de lado esses objectos aparentemente sem interesse. Petrie, ao contrário, anotou escrupulosamente o local onde eles foram encontrados. Assinalou as características diferentes e concluiu que essas peças podiam servir de chave para datar as descobertas arqueológicas. Na altura das primeiras escavações na Terra Santa, os dados foram tratados com negligência. Centenas de trabalhadores cavaram buracos sem que houvesse uma qualquer planificação. Por isso, não é de estranhar que as descrições dessas escavações sejam imprecisas e incompletas. Dispor de mais de uma pessoa para supervisionar os trabalhos era algo excepcional. O mesmo se pode dizer das escavações de R.A.S.Macalister em Guézer, a oeste de Jerusalém. Se bem que estas escavações fossem muito bem organizadas para a época (1910), a maior parte dos arqueólogos actuais pensa que as suas informações são inúteis, por falta de descrição meticulosa dos dados. Muitas das suas afirmações são agora consideradas erradas, mas a reinterpretação dos dados é muito difícil por falta de informações precisas.
Nos anos 30, a Universidade de Chicago lançou-se no projecto arqueológico mais ambicioso até então empreendido. Tratava-se de Meguido, a cidade ligada ao Armagedom no livro de Apocalipse. O objectivo era explorar todo o local de alto a baixo, e não deixar nada para os exploradores que pudessem seguir-se. Apesar do considerável apoio financeiro da família Rockefeller, este ambicioso projecto teve de ser abandonado ao fim de algum tempo, por falta de dinheiro. A expedição foi bem sucedida, mas, felizmente, grande parte do local de Meguido foi deixada para os arqueólogos posteriores. De facto, desde os anos 30, a ciência arquológica evoluiu considerávelmente.
Uma evolução interessante ocorreu por volta de 1950, quando o célebre arqueólogo israelita Yigael Yadin convidou voluntáriamente para participarem nas escavações do forte herodiano de Masada, no deserto da Judeia, perto do Mar Morto. Estes voluntários estavam dispostos a pagar do seu bolso para participarem na aventura arqueológica.
Assim, sem obrigação de pagar aos trabalhadores, o custo desta campanha doi muito reduzido. Desde então, outras escavações foram efectuadas em colaboração com voluntários, o que permitiu obter mais resultados com um menor investimento financeiro. Actualmente, todos os anos se realizam várias escavações em Israel e na Jordânia, em colaboração com voluntários.
5. A Arqueologia Moderna.
Uma expedição arqueológica moderna é muito diferente das expedições do início do século XX. Em cada escavação, uma equipa de arqueólogos profissionais vigia os trabalhos e regista meticulosamente todas as descobertas, muitas vezes de forma informatizada. A maior parte dos colaboradores são voluntários, com pouca ou nenhuma formação arqueológica. São eles que efectuam as escavações e que fazem as descobertas. Ao lado destes homens de primeira linha, os arqueólogos dispõem de uma equipa de especialistas que os ajudam a analisar os dados: os geólogos estudam as rochas e os sedimentos nos buracos e nas valas; os botânicos examinam as sementes das plantas que serviam de sustento; os antropólogos analisam as ossadas humanas ou de animais; os especialistas em cerâmica estudam os cacos encontrados; os informáticos gerem todos os dados obtidos; os teólogos determinam as ligações com o relato bíblico. Se a estas pessoas juntarmos outros colaboradores responsáveis por todo o tipo de tarefas, é fácil entender que uma expedição arqueológica seja comparável a uma universidade em escala reduzida. O objectivo é extrair o máximo de informações possível do que é encontrado nas escavações. Todos estes esforços permitiram aos arqueólogos modernos descrever a vida nos tempos bíblicos com uma precisão espantosa.
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